terça-feira, 26 de agosto de 2008

CACHORRO SEM DONO

Ela se apaixonou, justamente, por seu ar perdido de cachorro sem dono.
Ela foi abandonada.
Ele era só cachorro

Graça Rodrigues

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Cai uma chuva fina

Janela fechada bordada de cinza
cai uma chuva fina uma teima atroz
o frio cai e congela as horas
paira um decifrar constante
num enrolar vagar e indissolúvel

Janela aberta bordada de asfalto
paira uma alma em pedaços
depois cai

Janela aberta no décimo andar
bordada de cinza de asfalto de dor
convida a chuva fina que cai
a espreitar o desbotar de uma vida
de uma alma que não viu a chuva
dar lugar ao sol no dia seguinte

Carla Soares
(Pra cortar os pulsos com bolacha Maria e ouvindo Elis...)

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Do corvo ao papagaio, a morte carnavalizada.

Lendo A Filosofia da Composição, deparei-me com a declaração que Poe fizera a respeito da sua obra O Corvo (The Reaven). Confesso que fiquei surpresa com sua idéia inicial de colocar um papagaio como a ave agourante da trama, sem mais, pus-me a imaginar aquele singelo pássaro verde, irônico e engraçado à maioria. Pela carnavalização, um papagaio como personagem principal de uma cena melancólica traria risos e a morte de Leonora seria comemorada. Imaginei o "nevermore" da cocota (papagaio no idioma gaúcho), "nevee... moóórrr", além do lugar onde ela se situaria: ombro do amado, coçando, ou melhor, consolando com seu bico côncavo a orelha do rapaz... O "nevermore" seria uma resposta em troca de um biscoito, ou de uma semente de girassol e a voz rouca do bichinho inverteria o sentimento de dor, a tradicional dor da morte. A cor verde do pássaro seria um pastiche da cor preta azarada. O papagaio viria a ser, nessa estória, uma esperança ao rapaz... "uma renovação através da morte" (como afirma Bakhtin). Sinto muito que Poe não pensou em escrever O Corvo na versão satírica, seria uma obra prima da Paródia... Um prato cheio para os estudiosos em Literatura Carnavalizada... Bakhtin que o diga (mas que este não ofenda a paródia moderna!)

Abraço. Larissa Pujol.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Descrevo-me

Palavras
Larissa Pujol

Palavras, palavras
Elos entre minha caneta e meu caderno
Ponte entre as letras e meu interno
Palavras, palavras
Volto à terra lavra
Mostro rugas que me valham
Cada letra aqui enterrada
Sentimentos, sentimentos
Tudo ao seu contento
À ponta da caneta
As palavras giram o planeta
Chamadas de monges velhos
Do alto ao debaixo do inferno...

(Poema apresentado em julho de 2008, por Larissa, na abertura do XI Congresso Internacional da ABRALIC, em São Paulo.)